quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Sete e Quinze - O Barracuda! #1

pág. 10 do Jornal O Barracuda! #1 (Set/Out 2011) - O Conto da Barracuda!*


Marcus Di Bello

São sete e dez da manhã. Sete e quinze eu preciso estar de pé. Não posso me atrasar. Se eu me atrasar eu pego mais semáforos vermelhos do que o habitual e não consigo chegar a tempo de estacionar na melhor vaga da empresa. Com isso terei que andar o dobro do que estou acostumado para chegar ao elevador. Com o atraso eu acabo encontrando o Seu Antônio no terceiro andar e ele vai puxar assunto, vai falar do fim de semana na casa da praia e, como eu procuro ser sempre simpático, vou acabar me atrasando mais ainda.

Eu não posso me atrasar para levantar. Se eu me atrasar eu vou ter que tomar café da manhã rápido e, mesmo conseguindo escapar do Seu Antônio, corro o risco de queimar a língua com o café quente. Se eu me atrasar não vou atender a um telefonema importante e vou perder tempo retornando a ligação. Então, com o atraso, vou me atrasar para o almoço e acabarei encontrando o Seu Antônio na portaria da empresa, fazendo com que eu atrase mais ainda. O atraso fará com que eu me esqueça de ligar para a minha mulher. Quando eu chegar em casa ela vai começar uma discussão e isso vai atrasar a janta. Jantando mais tarde eu acabo dormindo mais tarde e isso vai me fazer acordar, no outro dia, atrasado.

Eu não posso me atrasar para levantar. Se eu me atrasar eu não darei bom dia para a minha filha e isso fará com que o rendimento escolar dela seja baixo. Vou me atrasar tendo que comparecer às reuniões da escola. Se eu me atrasar para levantar não terei tempo de ler jornal. Não saberei falar sobre o crescimento do número de mortos por cólera no Haiti e sobre as últimas ações do departamento de justiça dos Estados Unidos. Então serei obrigado a conversar sobre trabalho com o meu chefe. A conversa vai durar mais e vou me atrasar para fazer todas as tarefas da parte da manhã. Vou atrasar todo o serviço e precisarei ficar na empresa mais tempo depois do meu expediente. Chegarei mais tarde em casa e dormirei menos. Se isso acontecer eu não vou conseguir levantar no horário certo.

Eu não posso me atrasar. Sete e quinze eu preciso estar de pé. Se eu me atrasar eu atraso a minha mulher, que sempre arruma a cama quando eu levanto. Se ela se atrasar, o café da manhã atrasa. Eu não vou tomar café para evitar queimar a língua, então ela vai fazer suco de laranja, que demora mais. Vou encontrar o porteiro do prédio, que vai falar do barulho de furadeira aos sábados e eu vou perder tempo explicando que é o Fábio do 302 que usa. Vou me atrasar para chegar na garagem do prédio. Vou chegar atrasado na empresa, mas escapo do Seu Antônio. Só que estarei tão atrasado que ficarei pensando nisso o dia todo e vou me atrasar mais ainda.

Eu não posso me atrasar para levantar. Eu ainda estou deitado. Olho para o relógio e já são sete e dezesseis.

Outros contos enviados:



(Sem Título)

Alex Anastácio

“Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Pupila esta que tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Eu fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a -normalidade- é uma ilusão imbecil e estéril.”



O cachorro do cemitério

Fernanda Coelho

O cachorro entrou no cemitério seguindo o dono. De longe parecia um pastor alemão, de perto o focinho pequeno e o jeito de malandro o denunciava: vira-lata! Ele era um vira-lata fedido, peludo e simpático.
O dono do cachorro era um senhor moreno, que arrastava os chinelos de maneira cansada e deprimida pelo cemitério. O velho parava de campa em campa, todos os dias. O cachorro o seguia a exatamente dois metros de distância.

Esses dois metros eram uma distância segura, pensava o cachorro. De vez em quando o dono se irritava com o caminho estreito entre as campas ou com as velas espalhadas entre os jazigos e descontava no cachorro, chutando a sua barriga. Os dois metros eram suficientes para o cachorro se defender fugindo. Sim, defender, porque o cachorro não teria coragem de avançar no homem que o abraçava à noite, quando o vento não o deixava dormir.

Dona Cida levava Luana pela mão procurando o caminho mais curto para o túmulo da família.

Os bisavós de Luana já tinham morrido há mais de 60 anos. Ela não entendia porque a mãe limpava o túmulo a cada 15 dias. Aquilo era um fardo para Luana, que tinha que sair mais cedo da loja, pegar a mãe em casa, gastar três reais em velas, rezar e levar a mãe de volta para casa.

Tinha chovido a tarde inteira e faltavam vinte minutos para o cemitério fechar. Luana tinha feito o caminho mais longo e mais congestionado para não chegar a tempo. Justamente naquele dia, os motoristas tinham deixado os carros em casa e o sol apareceu quando elas estavam a uma quadra do cemitério.

O túmulo da família Monteiro ficava na parede direita, na altura dos joelhos de dona Cida. Sempre que parentes de defuntos enterrados em níveis mais altos acendiam velas, a cera escorria na lápide dos avós de Luana. Em frente, havia um caminho para jazigos luxuosos e o acesso era feito por uma escada de cimento, com três degraus, onde Luana costumava sentar esperando a mãe.

Dona Cida tirou de uma sacola de feira um pano de chão, uma esponja amarela e uma garrafa de álcool. Ela começou a tirar a cera da lápide com a unha, depois esfregou a pedra marrom do túmulo com a esponja e por último passou o pano com álcool em toda a campa.

Luana viu uma pipa voando por cima do cemitério e pediu a Deus para que quando morresse, virasse pipa para deslizar no céu azul e ainda observar o túmulo dos bisavós, que seria seu também. Ela pensava em morrer aos 70 anos, antes que a esclerose, comum na família, se manifestasse.

Pensando nas inúmeras vantagens de ser uma pipa, Luana apoiou os cotovelos no último degrau, em uma poça d'água. Levantou xingando e chutou os degraus. Dona Cida reclamou do barulho.

Luana pegou algumas folhas de papel-toalha no banheiro e tentou secar as mangas. Com o mesmo papel, forrou o segundo degrau da escada para sentar.

O cachorro assistiu a cena escondido atrás de um dos túmulos de mármore e ficou interessado naquela figura que chutava a escadaria. Seu dono deu a volta nos jazigos de luxo e saiu em uma viela que dava para o banheiro, à esquerda do túmulo da família Monteiro.

O dono entrou no banheiro e fechou a porta. O cachorro deitou no chão molhado, perto de Luana.
Luana olhou desconfiada para aquele cachorro peludo e sujo, mas como ele ficou imóvel, em posição de esfinge, voltou a rezar.

Tinha mais uma pipa no céu e dava para escutar moleques correndo, no outro lado do muro.
O cachorro olhava para Luana intrigado. O que ela estaria pensando? Inquieto, levantou e foi cheirar a porta do banheiro. O dono vendo o focinho do cachorro por baixo da porta, deu um chute. O cachorro ganiu e deitou ao lado de Luana, com o focinho no chão molhado.

Luana fechou os olhos se perguntando o que a diferenciava do cachorro. Não havia diferença, os dois estavam entediados com a vida. E de repente, estar em um cemitério nem era tão incômodo. A presença da morte era certa esperança.

Ela tirou o sapato do pé direito e aproximou os dedos do pêlo do cachorro. Tomou coragem e alcançou os pêlos com o dedão. Como o cachorro não se moveu, Luana acariciou primeiro as costas, depois as orelhas e por último o focinho.

O cachorro lambeu a mão de Luana e voltou a deitar o focinho no chão.

Luana levantou e cobriu o cachorro com o pano de chão.

Dona Cida tirou pano de chão de cima do cachorro e o esfregou no vidro que cobria a foto dos avós.

Luana tirou o casaco de veludo preto e cobriu o cachorro. O cachorro achou estranho o cheiro doce de Luana. Ficaram se olhando por alguns segundos, até que o dono abriu a porta do banheiro.

O dono cumprimentou Luana com a cabeça e seguiu para a porta do cemitério.

O cachorro ficou em pé, vendo o dono se afastar e o pesar de Luana pela separação. Luana tirou o casaco do cachorro, esperando que a ação facilitasse a decisão dele. O cachorro deu dois passos em direção a porta do cemitério e sentou virado para Luana.

Dona Cida jogou álcool no cachorro, que andou mais um pouco e sentou novamente, olhando para Luana.

Luana tirou o cachecol vermelho, enlaçou o pescoço do cachorro e o abraçou. De joelhos no chão molhado do cemitério, ela imaginou os dois como pipas fugindo dos moleques.

O cachorro correu no segundo assovio do dono, arrastando as pontas do cachecol pelo cemitério. Dona Cida já tinha limpado a campa.


*O Conto da Barracuda! é uma seção dedicada a mostrar os novos talentos da escrita. Os interessados podem enviar conto inédito, de até 3 mil ­caracteres para jornalobarracuda@gmail.com. O texto selecionado será publicado na próxima edição

Arte Urbana - O Barracuda! #1

pág. 08 do Jornal O Barracuda! #1 (Set/Out 2011)

Aline Benedito*
Colaboração

Cada vez mais presente nas grandes cidades, a arte urbana ganha respeito e desenvoltura no contexto cultural, criando com espectador uma relação de amor, ódio e reflexão, variando de acordo com a percepção histórica de cada um. Os grafiteiros utilizam a arte como forma de ativismo e muitas vezes a proposta é alcançada pelo impacto que o grafite causa, gerando sempre discussões sobre o tema. O grafite brasileiro é reconhecido como um dos melhores do mundo, tendo uma característica bem particular na sua realização, aqui os artistas mesclam uma grande variedade de materiais como; látex, pincel, rolo e spray. Apesar de toda a valorização que o grafite vem conquistando, ainda sofre preconceitos por uma parte da sociedade, o grafiteiro grafita porque gosta, na maioria das vezes independente do dinheiro e reconhecimento. Em relação com a pichação, a atitude de um grafiteiro e de um pichador é a mesma, o que muda é só o visual, o respeito é primordial tanto para quem está começando como para quem já está na cena há algum tempo.

Grafite realizado na banca de jornal para o Festival de Teatro Santista – FESTA 53
Fotógrafo: Vlaidner S. De Lima

Em Santos, o movimento busca levar cores a lugares que muitas vezes passam despercebidos pelo nosso cotidiano. São vários artistas, cada um com sua técnica e conceito que, juntos, transformam o dia-a-dia da cidade em um grande museu a céu aberto, onde o espectador, independentemente de sua classe social, pode contemplar as obras. A arte urbana tem em sua essência o olhar voltado diretamente para o povo, uma vez que ela é considerada arte popular, de povo para povo.

Quando falamos neste tipo de arte, nos limitamos a pensar somente no grafite, mas este é apenas mais um elemento da arte urbana, que possui outras formas de expressão como: sticker art, pôster art, estêncil, entre outros. Segue uma breve explicação sobre essas técnicas.

Sticker Art - É uma modalidade que utiliza etiquetas adesivas. É uma manifestação da arte pós-moderna popularizada na década de 1990 por grupos urbanos ligados à cultura alternativa. O trabalho pode ser realizado com o propósito de transmitir uma mensagem ou pelo simples prazer de enfeitar a rua expondo seu gosto ou ponto de vista no alto de um poste, atrás de uma placa e em caixas de energia, considerado como forma de grafite relâmpago. Os artistas usam a internet como forma de encontrar outros artistas que praticam essa mesma linguagem e a partir dai eles trocam endereços e cada um envia por correio seus stickers um para o outro.

Pôster art - Conhecido como lambe-lambe e também chamados de poster-bomber, é um pôster artístico de tamanho variado que é colado em espaços públicos. Podem ser pintados individualmente com tinta látex, spray ou guache. Quando feitos em série sua reprodução pode ser através de estêncil ou silk-screen. Geralmente é colado com cola de polvilho ou de farinha. O poster art faz parte das novas linguagens da arte urbana contemporânea assim como o sticker art.

Estêncil – É uma técnica usada para aplicar um desenho ou ilustração que pode representar um número, letra, símbolo tipográfico ou qualquer outra forma de imagem figurativa ou abstrata pelo meio de aplicação de tinta aerossol, através de um molde vazado de papel ou acetato. O estêncil obtido é usado para imprimir imagens sobre inúmeras superfícies, do cimento ao tecido de uma roupa. É conhecido também como máscara.

Na cidade de Santos temos alguns artistas que empregam essas técnicas.
Cá temos o Colante, que é um artista urbano completo. Ele trabalha com todos esses elementos da arte urbana, grafite, stickers, pôster art e estêncil, suas obras são totalmente autorais e na cena do sticker é um dos artistas mais respeitados no Brasil e no mundo. Também produz um programa documental chamado TVColante, totalmente voltado a arte urbana, vinculado pela internet, que consiste em um programa experimental, sendo o primeiro do Brasil voltado ao movimento. Temos também a Fase!, que é a primeira loja de Santos especializada em matérias para grafite, e faz parte da cena urbana utilizando o sticker como forma de divulgação. O Kid, que tem uma linguagem voltada para o público infantil. Ele grafita ursos em homenagem ao filho Vinicius, e seus trabalhos são free hand (feitos a mão livre). A Fixxa, que é a única mulher do movimento na Baixada Santista, utiliza em seus trabalhos estêncil e stickers e suas pinturas fazem alusão à história africana. O Bora, junção de um casal com a mesma ideia em um desenho só, utiliza Pôster Art e Estêncil. Entre outros artista como: Cone, Vinagre, Ghori, Hugo, Vela, Shesco, Tago, Primos e Luisito.
Assim, a cena da arte urbana de Santos começa a entrar no contexto histórico da cidade, participando de diferentes manifestações artística como: teatro, cenografia para performance, feiras, eventos, em meio a outras frentes. Muitas polêmicas giram em torno desse movimento artístico, pois de um lado o grafite é desempenhado com qualidade artística, e do outro não passa de poluição visual e vandalismo. Mas o que fortalece a arte urbana é que os grafiteiros querem sempre divulgar suas ideias.

*Aline Benedito é produtora multimídia

Santos de Casa - O Barracuda! #1

pág. 05 do Jornal O Barracuda! #1 (setembro/outubro de 2011)

Junior Brassalotti*
Colaboração
(originalmente postado no Blog do Curta Santos)

Santos ficou mais triste esses dias. Ao ler no Jornal A Tribuna o anúncio do compositor Gilberto Mendes, que não participaria mais da organização do Festival Música Nova, criado por ele na cidade em 1962, peguei-me nostálgico e melancólico.

Santos é uma cidade eclética, consegue parir ao mesmo tempo Gilberto Mendes, Almeida Prado, Lenny Eversong e até um grupo como Charlie Brown Jr, que alcançou projeção nacional pelo rock, sem contar os inúmeros de anônimos e outros nem tanto na briga por um lugar ao som que nem vou listar pra não cometer a injustiça de deixar algum talento de fora.

Mas sofremos também certo complexo de que santo de casa só consegue sobreviver aqui de sua arte por conta de milagres mesmo. Eu me lembro de anos atrás, na minha adolescência, quando começaram meus interesses pelas artes ao ler no jornal que teria um Festival de Música Nova no teatro Municipal.

Eu, todo alegre e que adorava música e novidades, fui, incauto, assistir ao show das bandas novas que iam tocar... Mal sabia... Cheguei ao teatro, platéia de gente bem vestida, mais velha, eu moleque deslocado, sozinho, não conhecia ninguém, sentei lá no fundo e me deparei com um som diferente de tudo que já tinha ouvido, não tinha referência nenhuma do que ia rolar, mas logo me situei de não seria rock nem MPB o que eu iria ouvir... Que bom.

Foi transformador, aquele som único, diferente, incomodava-me como só a grande obra de arte é capaz de fazer, me instigava e levava a outros lugares além dos sons com os quais eu havia sido condicionado a ouvir como “música bem feita”, seja lá o que isso for...

Mas ali tive meu primeiro contato com outra forma de expressão, outra dimensão de expressão, seu dodecafonismo me tirou da zona de conforto e me disse que tudo tem mais de um jeito de ser feito. Depois disso fui me apaixonar pelos irmãos Campos, Picasso, Oiticica, Arrabal, Tom Zé, Beckett, os modernistas... Levei isso pra mim, quando fui me embrenhar pelo teatro, depois pelo cinema, dança...Voltei todos os dias no Festival, pegou-me pelas entranhas, era aquele menino sozinho lá no fundo do teatro, não consegui convencer nenhum amigo da minha faixa etária a ir comigo, azar deles.

Voltando ao meu banzo do inicio do texto, fiquei pensando nas pessoas que a partir de agora não poderão ter a epifania que eu tive ao me deparar com a experiência Música Nova que o Gilberto generosamente deu a cidade de Santos, pois o Festival, agora é silêncio...

Sei que hoje, temos muitos músicos, de vários estilos, atores, realizadores de audiovisual, bailarinos, escritores, etc, que optaram por fincar raízes aqui, na sua terra, que Narciso de Andrade tão lindamente cantou, assim como o fazem hoje escritores contemporâneos de primeira linha, mas será que existe algum tipo de resistência do santista a prata da casa?

Será que todos precisamos de um David Byrne daqui a 40 anos nos descubra e informe pra nós mesmos o que já sabíamos?

Estamos andando na contramão da nossa potencialidade cultural historicamente comprovada?

É a relação poder público/artista que precisa ser revista ou artista/empresariado ou artista/poder público/empresariado? Ou artista/público?

Os eventos culturais de Santos, cavalherísticamente, já se dividem pelo ano, numa agenda que privilegia o público, possibilitando seu contato com o que de melhor se produz aqui e o que de melhor os produtores desses eventos trazem do Brasil afora cada qual no seu segmento e no caso do Música Nova, do mundo afora.

Sinto uma calmaria perigosa por parte dos fazedores de cultura, sinto uma platéia indiferente ao fato, e empresários também. Hoje é o Musica Nova, amanhã será qual?

O que acontece por aqui? Tantas cidades Brasis afora se destacam por um ou outro evento regional de determinado segmento que a colocam no panorama nacional como referência, como Gramado pelo cinema, Joinville na dança, outras pelo teatro, outras pelo patrimônio histórico, literatura e assim por diante... E Santos? Que tem potencial PRA TUDO ISSO E MAIS?

Bem, meu caro Maestro, se depender de minha parte não vou deixar de ouvi-lo e se depender de mim não deixarei que a cidade não o ouça também.

Produzirei junto com a coreógrafa Miriam Carbonaro um espetáculo/manifesto de dança para te agradecer, movimentaremo-nos aos sons do Anjo esquerdo da história, pois temos Saudades do Parque Balneário Hotel também e vamos torcer para que o Santos Football Music beba Coca-Cola. Ofertaremos-lhe humildemente uma foz, uma fala, uma dança para Gilberto Mendes.

Cara cidade, vamos começar o ano saudando Baco na passarela Dráuzio da Cruz e sigamos em Festa, celebrando a cultura caiçara, lançando Tarrafas ao mar e colhendo cenas teatrais e bienalmente dancemos e visitemos as artes plásticas! Vamos dar uma mirada nos teatreiros, nossos hermanos, e depois comer um bom peixe azul marinho na folha de bananeira, afinal não há quem não Curta Santos! Mas não quero deixar de ter o prazer de sentar no meu teatro Coliseu (sim, ele é meu!) e curtir o Música Nova! Pois ele também é meu!

Ditos artistas locais, tomemos cuidado,pois já anteviu e registrou Brecht :

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

*Junior Brassalotti é ator, produtor cultural, artista circense e diretor de produção do Festival Santista de Curtas Metragens, que chega à 9ª edição este ano